Rui Car
23/10/2021 11h30

Chef de restaurante riosulense está entre os mais experientes do Brasil

Ivo Schreiber trabalha há 56 anos no tradicional restaurante Lindacap e está entre os chefs com mais tempo dedicado à gastronomia

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Quantos casos de amor duram 56 anos? É possível contar nos dedos, porque a vida é breve para estender tanto uma paixão.

 

No caso do chef Ivo Schreiber, 72, todas as atenções, apegos e fidelidades tiveram como objeto o restaurante Lindacap, onde chegou aos 16 anos como aprendiz e onde está até hoje, como mestre de uma das melhores cozinhas da Grande Florianópolis.

 

A casa vai se transferir em janeiro para o bairro de Coqueiros, depois de quase seis décadas no centro da Capital – e Ivo vai junto, porque sua presença explica, em grande medida, o sucesso do Lindacap e seu prestígio junto a uma clientela fiel e numerosa.

 

Em mais de meio século, seu Ivo mudou pouco o jeito de ser e agir. Discreto, de poucas palavras, é recatado e econômico nas referências à própria carreira.

 

Descendente de alemães que se estabeleceram em Rio do Sul na primeira metade do século passado (seu avô materno nasceu no navio que trazia a família para o Brasil), desde cedo ele sentiu que tinha pendor para a gastronomia e inspirou-se na mãe, exímia cozinheira de bolos, para investir na profissão.

 

Em 1965, instado por um amigo da família, veio para Florianópolis, enquanto os irmãos mais velhos viviam como motoristas e caminhoneiros cortando as estradas do Brasil.

 

Desde então, nada mais fez do que oferecer seu talento ao mesmo restaurante. Está entre os chefs com mais tempo dedicado à atividade no país – com a peculiaridade de jamais ter trocado de patrões. 

 

Ensinou a muita gente as minúcias da boa cozinha, sempre com a intuição e os cuidados de um chef nato. Não morou em mecas da gastronomia mundial, não viajou ao exterior, não fez cursos com especialistas cheios de bossa. Na única vez que tentou, parou na primeira aula. “Vi que sabia mais do que o professor”, brinca. E voltou ao restaurante para tocar o trabalho de sempre.

 

Parte do tempo em que serviu ao Lindacap foi sob a batuta de Alindo Bortolotti, que passou o bastão para o filho Sílvio. Hoje, a administração da casa está com Caroline Bortolotti De Pellegrini, filha única de Sílvio e responsável pelos passos atuais e futuros do negócio. Formada em Administração, ela não abre mão de contar com seu Ivo (“o nosso xodó”) para consolidar o novo Lindacap, e ele diz que “enquanto aguentar vou continuar aqui”.

 

Quando Schreiber chegou a Florianópolis, só uma ponte ligava Ilha e Continente, o mar batia atrás do Mercado Público e o final da rua Felipe Schmidt, onde o restaurante sempre funcionou, tinha tanto barro que nenhum carro passava em dias de chuva. “Hoje, filhos, netos e até bisnetos dos antigos frequentadores são nossos clientes”, destaca ele.

 

Um grande sinistro e a volta por cima

 

Em quase seis décadas, o Lindacap passou por diferentes fases. Foi churrascaria, depois se tornou um bufê bem frequentado e mais tarde optou por servir à la carte.

 

Frutos do mar sempre tiveram seu espaço e o bufê ainda é acionado em casos de eventos. O marreco recheado com repolho roxo e o camarão à grega também tinham – e ainda têm – espaço cativo.

 

No começo, as pessoas trabalhavam de chinelo de dedo”, diz a gerente Caroline. Ivo Schreiber pegou o tempo em que todos faziam de tudo, e até horta e jardim ele lembra de ter cultivado. “Era uma época boa”, admite, apesar de não haver limites de horários, fins de semana e feriados para o descanso dos funcionários.

 

O restaurante sempre foi um point de empresários e políticos, que tomavam decisões e costuravam coligações partidárias nas mesas mais reservadas. O rei Pelé e a apresentadora Xuxa Meneghel estão entre as personalidades que passaram pelo Lindacap, assim como artistas de televisão, governadores e autoridades como o ex-presidente Michel Temer.

 

Uma história de superações

 

As dificuldades de tocar um restaurante nunca serão compreendidas por quem chega na hora de comer, almoça, paga e vai embora. Não há jornadas fáceis e folgas no calendário.

 

Por isso, a gerente Caroline Bortolotti De Pellegrini e o chef Ivo Schreiber são tão parceiros – viveram juntos bons e maus momentos do Lindacap.

 

Hoje é mais leve, os fornecedores entregam tudo na porta”, diz ela. Neta do patriarca Alindo, Caroline corria entre as mesas quando era criança e é a herdeira natural do negócio e da vocação da família. “A maioria das pessoas da minha geração não aguentaria o ritmo”, garante.

 

Essa história começou em 1964, quando o garçom Alindo Bortolotti foi convidado a administrar o Lindacap, até então de propriedade do dono do restaurante Gruta Azul, de Blumenau. Mais tarde, ele se tornou sócio da casa e na década de 1970 passou a ser o seu único dono.

 

Ele, a mulher e os cinco filhos chegaram a morar num depósito para conseguir manter o negócio. Num tempo em que poucas famílias tinham o hábito de fazer as refeições fora de casa, a localização também não ajudava e seu Alindo cansou de ir até o centro da cidade para convidar as pessoas a comerem de graça no seu estabelecimento.

 

Em algumas ocasiões, levava sob guarda-chuva os clientes até a entrada – e, assim, foi conquistando e fidelizando a freguesia.

 

Após o incêndio do ano 2000, o delivery, visto como tábua de salvação, se revelou uma grande iniciativa. “Entregávamos a comida até pela janela”, conta Caroline. Dali para frente, a entrega passou a ser uma das opções oferecidas pela casa.

 

O Lindacap já teve 60 funcionários, e hoje, com apenas 30, continua sendo o endereço preferido por milhares de nativos e turistas que passam pela Capital. “Sempre tivemos muitas excursões”, relata seu Ivo, contando que a área da frente, onde fica o Parque da Luz, tinha filas de ônibus estacionados. Esse público era quase sempre atraído pelos frutos do mar oferecidos pela casa.

 

Nós nos reinventamos”, ressalta Caroline, com a experiência de quem começou, ainda adolescente, ajudando a receber e entregar pedidos para ter seu dinheirinho e sair com as amigas da mesma idade. O pai Silvio ainda está por perto, mas ela e o marido comandam a nova fase, que consiste na mudança para o novo endereço, com instalações modernas e de frente para o mar.

 

A pandemia ensinou que nada é fácil, em especial para este ramo, e o novo desafio também faz parte desse aprendizado. O certo é que a Via Gastronômica de Coqueiros não será a mesma a partir de 2022.

 

A mão do cozinheiro e a diferença no paladar

 

Solteiro, “casado com a profissão”, segundo suas palavras, Ivo Schreiber é devotado à culinária e só a ela dispensa seus cuidados. Caseiro, não tem o hábito de viajar e passa o tempo livre lendo ou vendo televisão. Torce pelo Flamengo, sem ser fanático, e sente orgulho quando algum cliente da casa diz que só almoça se ele estiver no comando da cozinha.

 

Mesmo assim, repassa seu conhecimento a quem precisa, com a paciência que a atividade requer. “Nunca tive problemas de ensinar o que sei”, garante. Também admite que a profusão de programas de culinária na TV ajuda. “Tirei algumas ideias dali”, informa.


Por: Paulo Clóvis Schmitz / ND+  
Foto: Leo Munhoz / ND
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