Rui Car
29/04/2017 09h30 - Atualizado em 29/04/2017 08h53

Pai de gêmeas consegue na Justiça licença-paternidade de 180 dias em Santa Catarina

Juiz afirma que crianças foram o foco da sentença

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Paulo Renato Vieira Castro, 32 anos, acompanhou bem de perto o desenvolvimento das filhas gêmeas, Alice e Luísa. Hoje, as pequenas estão com quase 10 meses e têm uma relação muito próxima com o pai. O morador de Florianópolis conseguiu, em decisão inédita da Justiça, a licença-paternidade de 180 dias. 

 

Castro, que é advogado e técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SC), começou a pesquisar sobre o assunto no quarto mês de gestação da esposa. Ele teria direito a 20 dias de folga para cuidar das recém-nascidas, por ser servidor público federal, mas considerou insuficiente para dar o apoio necessário às gêmeas. 

 

– Não existia até então nenhuma decisão parecida. Mas, se para uma criança existe uma pessoa cuidando dela por 180 dias, por que com duas crianças não deveria ser igual? E ninguém melhor do que o próprio pai para acompanhar – afirma Castro.

 

No início do processo, a liminar foi negada, mas a sentença mais tarde, contrariando as expectativas, concedeu a licença de 180 dias, o mesmo direito da esposa de Paulo, que é servidora estadual. 

 

Na sentença proferida em novembro, a juíza da 1a Vara Federal de Florianópolis, Simone Barbisan Fortes, destaca artigo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que autoriza cônjuge ou companheiro a gozar de período idêntico à licença-maternidade no caso de morte da mãe ou de adoção, se for solteiro.

 

“Friso que, no caso de múltiplos, uma só pessoa – ainda que a mãe – não conseguirá atender às duas crianças da mesma forma como se assegura o direito para uma só e com a proteção integral garantida pelo constituinte. Assim, no caso específico, para uma das crianças, é como se ausente estivesse a mãe, como ocorre no caso do empregado solteiro adotante”, escreveu.

 

 

Juiz afirma que crianças foram o foco da sentença

Simone também cita as alterações da sociedade na compreensão do papel dos pais na formação das crianças, como a guarda compartilhada em casos de divórcio. 

 

A União recorreu e na última quinta-feira o juiz federal João Batista Lazzari, da 3ª Turma Recursal de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal, manteve a decisão anterior, favorável ao pai. 

 

– A partir de uma interpretação constitucional e também com base no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, decidi com base na equidade, principalmente em âmbito de juizados especiais, de aplicar em algum caso concreto uma interpretação que seja mais justa naquela situação. Tendo como foco sempre a criança e a proteção integral que ela merece – reforça o juiz. 

 

O advogado do caso, Gustavo Costa Ferreira, explica que como a tramitação em segunda instância demorou, quando julgaram o recurso o pai já tinha tirado os 180 dias de licença, que terminaram em meados de abril, com base na autorização que havia recebido na sentença de primeira instância. 

 

A União ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal e, se o recurso for acatado no futuro, o pai terá de compensar os 180 dias que ficou afastado. A mãe das pequenas, Talita Pereira, diz que o apoio do marido foi fundamental para cuidar das bebês, que exigem muita dedicação e em dose dupla:

 

– A gente vive numa cultura bastante machista. Teve gente que questionava por que eu não contratava uma funcionária, como se alguém pudesse substituir a presença do pai – diz. 

 

Castro completa que o período foi fundamental para criar um grande laço afetivo, que terá reflexos para o resto da vida da família.

 

Caso pode inspirar ações similares

O juiz federal João Batista Lazzari afirma que não se tem conhecimento sobre ações semelhantes e, portanto, esta é uma decisão inédita. O magistrado reforça que o caso abre precedentes para que outros pais de gêmeos busquem direito semelhante:

 

– Essa decisão é um precedente que também seria aplicado para trabalhadores de iniciativa privada, nos mesmos termos, porque a interpretação não é em virtude do regime do servidor, mas da proteção da criança. Mas como não há regulamentação na legislação, teria que ser buscado judicialmente. 

 

Lazzari cita como exemplos os casos de falecimento da mãe no parto, que a partir de decisões judiciais, foi incluída na CLT a extensão do mesmo período da licença-maternidade aos pais. 

 

Para o advogado trabalhista Prudente Mello, com 35 anos de atuação na área, a decisão apresenta um viés novo, já que trata do bem-estar da criança, e não o enfoque do direito dos pais. O especialista acredita que o caso pode embasar outras decisões, mas ressalta que para trabalhadores de iniciativa privada o caminho pode ser mais difícil.

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