Rui Car
20/08/2019 17h00 - Atualizado em 20/08/2019 14h18

Troca de técnicos no Brasil é quase três vezes maior que em principais ligas da Europa nesta década

Desde 2011, times da Série A fizeram 472 trocas de comandantes

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O tempo de trabalho de um técnico no Brasil é curto. Em média, um treinador permaneceu sete meses no comando dos times da Série A nesta década. Desde 2011, os clubes da elite brasileira trocaram os donos da prancheta 472 vezes. Este número é três vezes maior que cada uma das cinco principais ligas da Europa: Alemão, Espanhol, Francês, Inglês e Italiano.

 

 

A rotatividade dos técnicos no Brasil foi três vezes maior que em principais ligas da Europa nesta década — Foto: infoesporteA rotatividade dos técnicos no Brasil foi três vezes maior que em principais ligas da Europa nesta década — Foto: infoesporte

A rotatividade dos técnicos no Brasil foi três vezes maior que em principais ligas da Europa nesta década — Foto: infoesporte

 

Considerando os trabalhos europeus a partir de julho de 2011 até esta temporada, os clubes espanhóis e italianos foram os que provocaram a maior rotatividade de técnicos nesta década: 166 trocas em cada país. Porém, a quantidade é cerca de três vezes menor que entre os clubes da elite no Brasil.

 

Os clubes da França e da Alemanha foram as ligas com menos mudanças de comando: 130 e 137, respectivamente. Os times franceses tiveram uma média de 6,5 trabalhos por clube na década. 

 

 

Percebe-se, portanto, que a cultura de maior paciência ao tempo de trabalho do treinador é mais respeitada nas principais ligas do Velho Continente. Enquanto isso, o futebol brasileiro caracteriza-se por uma cobrança enorme, tanto da diretoria quanto da torcida, por resultados imediatos. Mesmo que falte estrutura e condições adequadas de trabalho.

 

– Na Europa, os clubes são mais profissionais e se preocupam em contratar o que tem de melhor – contratar um bom técnico, um bom gestor. Aqui é diferente, o conselheiro pressiona o presidente para tirar o técnico. Aqui o futebol é um pouco amador, por incrível que pareça. Lá não existem amadores trabalhando. Eles buscam os profissionais do mercado e, claro, ele tem que dar resultado. Eles são escolhidos porque são competentes – observou Muricy Ramalho, comentarista do Grupo Globo.

 

Muricy Ramalho acredita que é preciso de mais profissionalismo nos clubes brasileiros — Foto: Diogo VenturelliMuricy Ramalho acredita que é preciso de mais profissionalismo nos clubes brasileiros — Foto: Diogo Venturelli

Muricy Ramalho acredita que é preciso de mais profissionalismo nos clubes brasileiros — Foto: Diogo Venturelli

 

O ex-técnico contou ainda do período de 16 dias que passou no Barcelona para estudar o sucesso do clube espanhol. Ele sintetizou o êxito à maneira mais profissional de lidar com o futebol.

 

– O Barcelona tem a mesma maneira de jogar há anos. Eles têm um modelo de jogo que não abrem mão. Se eles vão para o mercado contratar um técnico, eles procuram um técnico que possa desenvolver aquele modelo de jogo que está lá. Eles contratam o cara para fazer aquilo. Lá no Barcelona só trabalham profissionais. Não tem nenhum tipo de amador, isso facilita o trabalho. Na Europa, em geral, é assim.

 

Técnico com passagens vitoriosas tanto no Brasil quanto na Europa, Ricardo Gomes compartilhou um pouco das diferenças percebidas entre os trabalhos em cada continente. Ricardo treinou PSG, Bordeaux e Monaco na França e clubes como Botafogo, São Paulo e Vasco no Brasil.

 

– A cultura é totalmente diferente. O nosso modelo é muito complexo e diferente do europeu. É mais fácil trabalhar na Europa porque tem mais condições. É um ambiente mais tranquilo, o que favorece o trabalho do técnico. Está tudo relacionado.

 

Ricardo Gomes já foi técnico no Brasil e na Europa — Foto: Ivan Storti / Divulgação Santos FCRicardo Gomes já foi técnico no Brasil e na Europa — Foto: Ivan Storti / Divulgação Santos FC

Ricardo Gomes já foi técnico no Brasil e na Europa — Foto: Ivan Storti / Divulgação Santos FC

 

A falta de continuidade acaba impedindo a devida implementação do modelo de jogo de cada técnico no clube. Em média, os 20 clubes da Série A de cada temporada fizeram 67 trocas de comando durante o ano na década. O que representa cerca de três treinadores por time em um ano. Na Europa, cada clube tem, no máximo, um técnico por ano, na média.

 

Os dois principais motivos que causam a saída de um técnico no Brasil são as eliminações e as sequências negativas de resultados. Um total de 122 técnicos efetivos trabalharam por times da Série A nesta década. Porém, a rotatividade é grande.

 

 

Claro que há pontos fora da curva. No Brasil, técnicos longevos são raros, mas existem. Dois exemplos recentes são Mano Menezes e Renato Gaúcho. O primeiro deixou o Cruzeiro na semana passada e fez do segundo o treinador há mais tempo no cargo na elite do futebol brasileiro. Mano permaneceu na Toca da Raposa por 1108 dias. Já Renato está no Grêmio desde setembro de 2016.

 

 

Técnicos duradouros no comando: Mano Menezes, Renato Gaúcho, Arsène Wenger, Alex Ferguson — Foto: InfoesporteTécnicos duradouros no comando: Mano Menezes, Renato Gaúcho, Arsène Wenger, Alex Ferguson — Foto: Infoesporte

Técnicos duradouros no comando: Mano Menezes, Renato Gaúcho, Arsène Wenger, Alex Ferguson — Foto: Infoesporte

 

Na Europa, dois exemplos de trabalhos duradouros vêm da Inglaterra, com Alex Ferguson e Arsène Wenger. O primeiro ficou 27 anos à frente do Manchester United e se aposentou em 2013. Em quase três décadas de clube, Ferguson conquistou 13 títulos do Campeonato Inglês. Já o último permaneceu 22 anos como treinador do Arsenal até deixar o time no ano passado.

 

O trabalho recente mais duradouro na elite do futebol brasileiro foi de Muricy Ramalho. Foram três anos e cinco meses à frente do São Paulo entre 2006 e 2009. Nada que se compare aos 27 anos de Ferguson no United, por exemplo. Mas, ainda assim, muito considerável para o contexto brasileiro. De acordo com Muricy, o apoio de Juvenal Juvêncio (presidente do clube na época) foi fundamental para sua longa permanência no Tricolor Paulista.

 

– O que ajudou a minha permanência toda no São Paulo foi o presidente. Em momentos ruins em que os amadores queriam me tirar, o presidente batia na mesa e impedia isso. A única chance é essa: você ter um dirigente que acredita no seu trabalho e, claro, ganhar. Nos momentos ruins, o Juvenal bancava, segurava a onda. Foi difícil porque os amadores sempre queriam me tirar.

 

Muricy Ramalho foi tricampeão brasileiro pelo São Paulo — Foto: Marcos RibolliMuricy Ramalho foi tricampeão brasileiro pelo São Paulo — Foto: Marcos Ribolli

Muricy Ramalho foi tricampeão brasileiro pelo São Paulo — Foto: Marcos Ribolli

Metodologia

Para esta pesquisa, foram consideradas todas as trocas de comando dos clubes que disputaram a Série A do Brasileirão em cada ano desta década. Ou seja, cada temporada contou com um recorte de 20 times brasileiros. Em cada equipe foram contabilizadas todas as mudanças de comando no ano, incluindo na conta os técnicos interinos entre as passagens dos efetivos.

 

A única exceção é o ano de 2019. Como a temporada está em curso e para se adequar à temporada europeia que se inicia foram contabilizados apenas os primeiros técnicos de cada time. Ou seja, 20 treinadores no total, uma vez que cada time começa o ano com um comandante.

 

O motivo disso é porque a temporada na Europa começa em meados de julho e agosto e para devida comparação foi necessário um ajuste temporal aqui nas trocas brasileiras.

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