Rui Car
21/02/2017 12h30 - Atualizado em 21/02/2017 08h17

Mentor do melhor ataque da Europa foi treinador de handebol

Ele escreveu tese acadêmica sobre escanteios

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Você sabe qual é hoje o melhor ataque entre as principais ligas da Europa? Não é o badalado MSN (Messi, Suárez e Neymar) do Barcelona, nem o consagrado BBC (Bale, Benzema e Cristiano Ronaldo) do Real Madrid, muito menos o do Bayern de Munique. O time mais letal do momento é o Monaco: a equipe do Principado registra a impressionante média de 2,92 gols por partida no Campeonato Francês (são 76 bolas nas redes em 26 jogos).

 

E o responsável por deixar os maiores clubes do mundo para trás no quesito ofensivo é um treinador com uma trajetória nada comum no futebol. Filho de portugueses, Leonardo Jardim, 42 anos, nasceu na Venezuela, mas foi criado em Portugal.

 

Ele nunca foi jogador profissional e chegou a ser treinador de uma equipe de handebol antes de escolher o futebol como via única para a sua carreira.

 

“Sou um treinador que passou por todos os escalões do futebol. Comecei a treinar crianças entre os dez e os 12 anos na Ilha da Madeira. Também tive algumas experiências no handebol. Treinei uma equipe durante um ano, ao mesmo tempo que era técnico de futebol”, disse, em entrevista ao site da Uefa.

 

“Treinei uma equipe feminina – é ainda mais difícil trabalhar com mulheres do que com homens. Mas penso que todos esses momentos, seja na aquisição de conhecimento ou a treinar equipes na quarta, terceira ou segunda divisões, ajudaram-me a ter uma melhor compreensão do jogo. E também me ajudaram a compreender melhor a minha profissão e a tomar decisões”, prosseguiu.

 

Estudioso do futebol, o treinador é formado em Educação Física e Desporto da Universidade da Madeira, em Portugal, e teve como tese de conclusão de curso o aproveitamento dos escanteios na Eurocopa de 1996.

 

“Ele defendia que naquela altura havia pouco aproveitamento dos escanteios no futebol. Teve uma nota alta”, recordou Helder Lopes, antigo professor e orientador de Jardim, ao site “maisfutebol”.

 

Após terminar a faculdade, ele se inscreveu no curso de treinadores da Uefa, que completou com 24 anos, tornando-se o mais jovem a ter o quarto nível.

 

 

  • ‘Ele tem muita personalidade’ 

Apenas três anos após se graduar como técnico, Leonardo Jardim comandou sua primeira equipe profissional, o Camacha-POR, por cinco temporadas.

 

Em 2007, foi chamado para o Desportivo de Chaves-POR, time da terceira divisão no qual ganhou ainda mais projeção após conseguir o acesso. Mesmo em um pequeno clube, ele sabia o que queria.

 

“Muita gente não dava muito para ele. Chegou com personalidade grande, falando para os jogadores que o projeto dele era em um ano subir de divisão com o Chaves e depois ir para um time da primeira divisão de Portugal. Com o trabalho dele, com os méritos, ele chegaria com um time grande da Europa”, contou o brasileiro Danilo, ao ESPN.com.br.

 

ARQUIVO PESSOAL

Leonardo Jardim e Danilo
Leonardo Jardim e Danilo
 
 

“Ele era muito exigente, treinava muito a parte tática. Exige de todos, cobra de todo mundo, tem que ser perfeito, bom profissional e mais importante ter uma família dentro dos clubes”, prosseguiu o brasileiro.

 

Danilo conta que o treinador estudava muito os adversários e sempre teve gosto por equipes ofensivas.

“Eu lembro que ele sempre punha um vídeo para incentivar os jogadores. Uma vez, ele botou o filme “300”. ‘Eram poucos soldados, mas nunca desistiram’, ele falava. Isso motivou muito, mexeu muito com os jogadores, foi na reta final da subida de divisão”.

 

O lateral brasileiro foi responsável direto pela ascensão da carreira de Leonardo Jardim – afinal, foi ele o autor do gol que garantiu o acesso do Chaves. “Eu até brinco com ele: ‘Pô, mister, eu lancei você, hein? Eu quero ver se você vai se lembrar de mim’ (risos). Criamos uma amizade legal”.

 

 

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Leonardo Jardim foi contratado pelo Sporting
Leonardo Jardim comandou Sporting

 

 

Tanto é que Danilo foi junto com Leonardo Jardim para o Beira-Mar, em 2010. Esse laço com os jogadores é um dos maiores trunfos do treinador.

 

“Você sabe que jogador quando não joga fica chateado, mas ele conseguia administrar o grupo de um jeito que agradava todo mundo. Pelo menos nos dois clubes que eu passei era assim”.

 

“Eu nunca o vi nervoso. Ele chegava no intervalo e sabia conversar, perguntava o que estava acontecendo,  por que o jogador estava daquele jeito. Ele transmitia confiança. No dia seguinte aos jogos, o Leonardo sempre vinha com uma listinha e nos mostrava o quanto tinha errado e acertado. Falava o que a gente precisava melhorar”.

 

Jardim também marcou seus atletas por ser um técnico preocupado com a vida extra-campo de seus comandados.

 

“Ele se preocupa com a família dos jogadores, se está tudo bem em casa. Ele foi um paizão mesmo. Com ele no Beira-Mar não fiz muitos jogos, mas mesmo assim tinha uma amizade muito forte. Ele sempre perguntava do meu filho, falava ‘cadê o meu ‘brazuquinha”. Me ensinou muita coisa”, completou.

 

O português também sempre se notabilizou por ter uma grande confiança em seu próprio trabalho. Um estilo notável e também capaz de produzir situações únicas para alguns de seus ex-atletas.

 

“É uma história muito engraçada. Na primeira semana ele falou na entrevista: ‘Se daqui um ano eu não trabalhar em uma equipe da primeira divisão, eu paro de ser treinador e vou voltar a ser professor, voltar a pescar na Ilha da Madeira”, recordou o zagueiro Kanu, hoje no Vitória, aos risos.

 

 

  • Demissão e sucesso

Jardim cumpriu sua palavra e não precisou voltar aos bancos da escola. Depois de conseguir a promoção para a primeira divisão portuguesa e fazer o Beira-Mar brigar por vagas em competições continentais na temporada seguinte, ele se demitiu do cargo poucas rodadas antes do fim por causa de divergências com a diretoria.

 

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Leonardo Jardim diz que time não foi 'efetivo' no ataque
Jardim está no Monaco desde 2014
 

Em 2011, ele treinou o Braga por uma temporada. Depois, passou por Olympiacos, clube no qual fez sucesso, mas teve seu trabalho interrompido.

 

“Ele é muito direto, não fica dando voltinha, quando fala para o jogador ‘vai jogar’… é muito direto e trata todos os jogadores iguais. Não vi um jogador falar mal dele. Ele sempre deixava o jogador bem à vontade, brincava, mas na hora ali dos treinamentos era um treinamento curto, forte e bom. Não fica inventando muito. Faz o bê-á-bá do futebol”, recordou o lateral Leandro Salino, atualmente no Vitória.

 

Jardim acabou demitido da equipe grega mesmo liderando o campeonato nacional com dez pontos de vantagem para o segundo colocado. As razões oficiais permaneceram misteriosas.

 

Logo em seguida, ele comandou o Sporting-POR por uma temporada, conquistando a segunda posição na Liga Portuguesa. Curiosamente, Jardim ganhou fama de retranqueiro em seu país natal.

 

“As equipes dele sempre foram muito pragmáticas. Organizadas na defesa e depois iam lá pela certa”, disse o jornalista português João Figueiredo do site maisfutebol.

 

Em junho de 2014, foi apresentado como treinador do Monaco.

 

Nesta temporada, o Monaco lidera o Campeonato Francês com 59 pontos e tem uma grande chance de quebrar a hegemonia do Paris-Saint Germain. Nesta terça-feira, a equipe enfrentará o Manchester City nas oitavas de final da Uefa Champions League.

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