Rui Car
17/08/2018 17h00 - Atualizado em 17/08/2018 14h31

Como aprendo a me amar

Amor-próprio não tem nada a ver com o corpo perfeito e pode ser desenvolvido no cotidiano

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Portal Minha Vida

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Quem entra no canal da youtuber Maíra Medeiros, 34, se depara com uma mulher bem-humorada de cabelos coloridos fazendo paródias de música e vídeos que contam sobre sua vida. Divulgar vídeos com sua imagem três vezes na semana para mais de 1 milhão de inscritos é tarefa que exige que ela ame muito a si mesma. Mas nem sempre foi assim. “Editar seus próprios vídeos é tarefa difícil. Você vê seus ‘tics’, seu olho torto, e etc? Se fosse há uns anos talvez eu teria desistido do canal logo no começo”, conta Maíra.

 

 

Amor-próprio é uma palavra só, e a maioria de suas definições do dicionário liga o sentimento à arrogância e soberba, características de uma pessoa que só pensa em si mesma. Além disso, vivemos uma sociedade que dita padrões de imagem e comportamento que devemos seguir, e qualquer afastamento deles é passível de críticas.

 

"Antigamente todas minhas roupas eram pretas, eu morria de medo de evidenciar uma dobra, uma celulite ou chamar atenção pra alguma parte do meu corpo. Hoje eu vivo vestindo roupas coloridas e brilhantes! Se não to assim parece que nem sou eu!"
“Antigamente todas minhas roupas eram pretas, eu morria de medo de evidenciar uma dobra, uma celulite ou chamar atenção pra alguma parte do meu corpo. Hoje eu vivo vestindo roupas coloridas e brilhantes! Se não to assim parece que nem sou eu!”

 

Mesmo com este cenário, é comum ouvir frases prontas apontando o sentimento como a solução de nossos problemas. Diante disso, fica uma pergunta: assim como Maíra, como eu aprendo a me amar?

 

 

Por que não nos amamos

Segundo a psicóloga Salma Cortez, o amor-próprio vai sendo limado de nós se há julgamentos em excesso. No caso de Maíra, os julgamentos a si mesma eram principalmente a respeito de seu corpo, já que ela é gorda. “Qualquer representação positiva de mulher era, e ainda é, feita por uma completamente diferente de mim: magra, alta, cabelo sedoso liso, pernas finas… Isso me deprimia demais, eu corria muito pra tentar ser como aquelas mulheres eram, e quanto mais próximo eu chegava mais infeliz eu ficava”, desabafa.

 

 

Apesar de o amor-próprio dizer respeito a outras características, é comum que a falta dele frequentemente venha junto com insatisfações relacionadas aos padrões corporais. E isto tem um motivo evolutivo, de acordo com Selma. Segundo ela, todo animal que seduz o outro parceiro faz uma dança ritual que utiliza o corpo. Então esta parte de nós tem uma importância para o humano enquanto um mamífero.

 

“O problema é quando eu só consigo ser feliz se meu corpo estiver de tal forma”, opina a psicóloga. Por isso, se amar passa por você viver um relacionamento leve com você mesmo.

 

No entanto, os sinais da falta de amor-próprio nem sempre se manifestam em relação ao próprio corpo. Às vezes, você gosta do que vê no espelho, mas acha que seu valor interno é menor. A psicanalista Cristiane M. Maluf Martin exemplifica: quem não se ama, tem muita dificuldade de dizer “não”, e sempre dá prioridade ao outro em situações que tinha direito ao primeiro lugar. “Essas pessoas estão sempre elegendo o outro como o protagonista da própria história, e isto não é positivo”, explica.

 

Cristiane ainda conta que os padrões incorporados na infância tinham o papel de dizer se seríamos pessoas com este sentimento em falta, excesso ou equilíbrio. E isso tem muito a ver com o modo como éramos estimulados. Uma família que critica e encontra defeitos na criança o tempo todo, sem elogiá-la pelos seus feitos, tende a criar pessoas que não se amam.

 

 

Aprendendo a se amar

Provavelmente até aqui você já entendeu a importância de se amar e identificou se isso é uma característica sua, mas deve estar pensando se é possível fazer esse relacionamento com você mesma dar certo.

 

 

“As marcas da infância são muito difíceis de serem apagadas”, diz Cristiane, que é enfática ao afirmar que a psicoterapia é a chave para mudar o jogo.

 

Salma adiciona que o amor-próprio é uma qualidade da personalidade que precisa ser desenvolvida. A psicóloga explica que existe uma característica em nosso cérebro chamada neuroplasticidade. Isto significa que as comunicações entre os neurônios que levam os nossos impulsos comportamentais são mudadas a partir de alguns fatores, como hábitos e medicação. Por isso, é possível mudar padrões que adquirimos ainda na infância.

 

No caso do amor-próprio, Salma sugere dois exercícios para que o sentimento fique mais presente no dia a dia:

 

1 – Registre os orgulhos

Escolha um caderninho ou bloco de notas e deixe no seu quarto. Ao final de cada dia, escreva três coisas que te deixaram orgulhosa. Assim, mesmo nos dias em que é mais difícil gostar do que somos, tem à mão uma lista de motivos para isto.

 

2 – Planeje as vitórias

Pela manhã, ao acordar, se planeje para ter ao menos uma vitória. Não precisa ser primeiro lugar em nenhuma olimpíada. Salma sugere que você se proponha a desafios simples, como ler algumas páginas de um livro, fazer uma tarefa no trabalho ou cozinhar uma receita nova.

 

 

A primeira vista, os exercícios não parecem mudar muito na nossa rotina. No entanto, “é na simplicidade que você vai reforçando novas configurações neuronais, e o comportamento de amor-próprio passa a ser automático”, explica a psicóloga Salma.

 

Como saber se finalmente estou me amando?

Amar-se não é um marco claro que nós alcançamos e ganhamos um troféu. Mesmo as pessoas que estão habituadas ao amor-próprio podem passar por fases em que o sentimento não está tão presente.

 

As psicólogas apontam que a espontaneidade e o amor-próprio estão muito relacionados. Por isso, quando uma pessoa se ama ela percebe que realiza as coisas de forma muito mais espontânea. Além de tudo, não se questiona constantemente se está sendo aceito. E aí são capazes de dizer “não” sem culpa e sem se preocupar com o que o outro irá pensar. Como consequência, na parte física, é possível notar o alívio na tensão corporal.

 

Driblando as crises no nosso relacionamento com nós mesmos

Os momentos de crise são os que estamos mais suscetíveis a não nos amar. Se perdemos um emprego ou um relacionamento termina, é comum duvidar do nosso próprio valor. Para lidar melhor com os próximos, Salma também sugere deixar o cérebro treinado às mudanças.

 

Se você trabalha com o lado racional do cérebro, que tal treinar a abstração incluindo atividades artísticas na sua rotina? “Exercitando seu cérebro de formas diferentes, você dá a ele a possibilidade de estar habituado ao novo, e não fica tão em crise na crise”, fundamenta Salma.

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