Rui Car
17/09/2019 17h00 - Atualizado em 17/09/2019 13h48

Judoca do Irã que ignorou ordem para perder luta no Mundial tenta virar refugiado de olho em 2020

Ele recebeu ordens para ser derrotado e abandonar torneio para evitar luta com israelense

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O judoca Saeid Mollaei, de 27 anos, está escondido desde que deixou o time de judô do Irã no mesmo passado após afirmar que recebeu ordens para se retirar do Campeonato Mundial de Tóquio, no Japão, por questões políticas. Agora ele, que luta na categoria -81kg, está treinando para os Jogos Olímpicos de 2020 sem a garantia de que poderá competir. O esportista tenta conseguir o status de refugiado para poder competir pelo time que representa o Comitê Olímpico Internacional.

 

Mollaei foi o campeão mundial de 2018 e defendia seu título, e o israelense Sagi Muki era seu maior rival em busca da medalha de ouro no campeonato de 2019. Só havia um problema: o Irã tem uma política de boicote em competições esportivas contra atletas de Israel, mesmo que isso signifique que um esportista precise abandonar um torneio ou treinar por nada.

 

 

O judoca disse à agência Associated Press que recebeu ordens de perder uma luta preliminar diante de um rival da Rússia para encobrir seu abandono ao Mundial. Quando ele se recusou a fazer isso e venceu, recebeu mais ligações em tom de ameaça por parte de oficiais.

 

Em uma entrevista prévia, Mollaei disse que o Ministério do Esporte e o Comitê Olímpico Iraniano demandaram que ele não vencesse o belga Matthias Casse na semifinal e consequentemente evitasse fazer a final contra Muki.

 

– De uma vez por todas, decidi viver minha vida como um homem livre, e eu vou provar ao mundo que sou corajoso – relatou em uma entrevista recente na Alemanha, onde ele vive em uma localização secreta.

 

– Fiz isso pela minha alma, por mim. Eu queria praticar e competir em liberdade, com paz na minha cabeça. Eu não queria me preocupar com quem competiria ou com quem não competiria. Eu lutarei contra qualquer um honrando a Carta Olímpica – falou.

 

No fim das contas, Mollaei não chegou à final, perdeu a medalha de bronze e não pôde enfrentar Muki, que levou o ouro e se tornou o mais novo campeão mundial. A Federação Internacional de Judô (IJF), que está apoiando o judoca, afirmou que ele recebeu uma demanda de abandonar a competição em Tóquio por parte do vice-ministro iraniano de esportes, por funcionários da embaixada e pelo chefe do Comitê Olímpico do Irã.

 

A rota mais provável para Mollaei seguir até os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 é através do time de refugiados do Comitê Olímpico Internacional (COI). A IJF está ajudando o atleta, mas ele precisa ter status de refugiado reconhecido pelas Nações Unidas. Além disso, Mollaei tem dificuldades para se adaptar à vida na Alemanha.

 

– Até as roupas que você vê em mim são presentes. Não tinha nada quando cheguei. Eu só decidi e vim. Eu ganhei muitos presentes de amigos e é como tenho vivido até agora, com a ajuda de amigos e da IJF. Eu ainda estou esperando para ver o que vai acontecer, como vou competir, mas obviamente desde o meu início aqui na Alemanha eu estou treinando. Como e quando vou competir eu ainda não sei.

 

Saeid Mollaei no Mundial de 2018 — Foto: Getty ImagesSaeid Mollaei no Mundial de 2018 — Foto: Getty Images

Saeid Mollaei no Mundial de 2018 — Foto: Getty Images

 

Mollaei não pediu asilo político na Alemanha. Ele está vivendo com um visto que foi dado quando competiu em eventos de clubes na Alemanha e está preocupado com sua segurança.

 

– Mesmo quando quero contactar minha família eu faço através de um amigo em Teerã, porque minha família está sendo vigiada e não posso falar muito. Não tenho contato com nenhum dos meus amigos lá.

 

O judoca disse à AP que recebeu ordens similares de não enfrentar israelenses em outras três ocasiões antes do Mundial. A última delas foi em fevereiro, quando ele não compareceu à cerimônia de medalha de uma competição na França porque teria que dividir o pódio com Muki.

 

– Quase todos os atletas iranianos receberam essas ordens com relação a atletas de Israel.

 

Oficiais iranianos disseram que Mollaei foi manipulado a deixar o time, e que, caso queira voltar, será bem-vindo. Ele não acredita nessa afirmação e relembra que a Federação de Judô de seu país chegou a dizer em uma carta à IJF que encerraria o boicote em maio, mas não cumpriu isso.

 

– Eu posso assegurar que eles não estão de acordo com os valores da Carta Olímpica. Então como eu posso acreditar neles?

 

A ruptura de Mollaei com as autoridades iranianas acontece em um momento no qual ativistas estão usando esportes para desafiar demandas do governo. Por exemplo, ativistas femininas no Irã fizeram campanha durante anos para serem liberadas de entrar em arenas esportivas, sobretudo para jogos de futebol, e fizeram protestos até na Copa do Mundo da Rússia no ano passado.

 

Na semana passada, foi reportado que Sahar Khodayari, uma torcedora de 29 anos, morreu após atirar fogo em si mesma após saber que pegaria seis meses de prisão por tentar entrar escondida em um jogo de futebol. Mollaei expressou simpatia pelas ativistas e por Sahar:

 

– Eu me pergunto o motivo pelo qual isso acontece, porque mulheres iranianas não podem viver como outras mulheres, aproveitar esportes, assistir esportes. Eu não sei o que está acontecendo e porque há tantas dificuldades para os iranianos e a comunidade esportiva do Irã. Eu nem sei o que dizer. Me sinto triste e desapontado. Eu espero que um dia as mulheres e atletas no meu país possam viver livremente e aproveitar a vida – concluiu.

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