Rui Car
22/02/2019 15h35 - Atualizado em 22/02/2019 14h32

André Rizek sobre Flamengo: Quanto vale uma vida?

Tem algo que o dinheiro não compra: a dignidade e a imagem do clube, perante seus torcedores e todo o país

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Quanto vale uma vida? Há várias maneiras de tentar responder a essa pergunta. Mas a melhor maneira, sem dúvida, é dizer que coisas como essa são impossíveis de se calcular. O Flamengo, obrigado a lidar com esse dilema, optou por responder de forma técnica. Foi buscar a média do que se paga de indenizações em casos semelhantes à tragédia do Ninho do Urubu e se gabou de ter oferecido um valor acima do normalmente praticado no país. Maior que os estipulados no incêndio da boate Kiss, em 2013, lembrou o clube, em forma de uma (lamentável) nota oficial.

 

Tecnicamente, pode ser que o Flamengo tenha razão. Mas será a melhor maneira de tentar responder à pergunta que abre esse texto? O Flamengo não é a Boate Kiss, não é a Vale do Rio Doce, não é uma companhia aérea. O Flamengo é algo muito maior e cujo valor, também, não se consegue calcular de forma técnica. O Flamengo é uma paixão, abraçada por milhares de brasileiros. E paixão não tem preço.

 

As pessoas que ficaram revoltadas com o que aconteceu na boate gaúcha podem simplesmente decidir nunca mais frequentar nenhum empreendimento dos responsáveis por aquela tragédia. Mas os rubro-negros sequer cogitam – e nem devem – trocar de paixão por causa da decisão de dirigentes. Os torcedores do Flamengo querem ter orgulho de sua paixão, orgulho de ser Flamengo. Isso vai além de títulos.

 

 

Homenagem feito aos garotos do Ninho no Fla-Flu — Foto: André Durão/GloboEsporte.comHomenagem feito aos garotos do Ninho no Fla-Flu — Foto: André Durão/GloboEsporte.com

Homenagem feito aos garotos do Ninho no Fla-Flu — Foto: André Durão/GloboEsporte.com

 

O caso pode até ser complexo, do ponto de vista judicial, mas aos olhos da sociedade parece muito simples. O Flamengo era responsável pela vida de 10 garotos que morreram dentro de um contêiner que o clube – e mais ninguém – designou como moradia para eles, ao que tudo indica sem as devidas condições e autorizações legais para isso. O que eu acho que o Flamengo deveria fazer diante de tamanha dor? Declarar-se incapaz de responder à pergunta que abre esse artigo. E comunicar que aceita, integralmente, a proposta sugerida pelo órgão público que faz a mediação com as famílias dos garotos.

 

O Ministério Público sugeriu o pagamento (total) de 56 milhões de reais às famílias. O Flamengo deveria acatar o valor integralmente. Às favas com as questões técnicas que podem ser discutidas nos tribunais, para calcular uma indenização menor. Tem algo que o dinheiro não compra: a dignidade e a imagem do clube, perante seus torcedores e todo o país. Quanto vale isso?

 

É muito para o Flamengo gastar 56 milhões de reais? Bom… todo mundo sabe que o clube trouxe um jogador esse ano por esse mesmo valor, Arrascaeta. E há outro, que custou quase isso ano passado, que o clube luxuosamente deixa no banco de reservas. Não é caso, pois o Flamengo tem muito dinheiro… Mas e se tivesse que vender o uruguaio para pagar as famílias? Algum torcedor iria achar ruim? Iria reclamar que o clube, sem o seu principal reforço, teria menos chance de ser campeão da Libertadores? Há coisas muito maiores do que isso.

 

 

 — Foto: André Durão / GloboEsporte.com — Foto: André Durão / GloboEsporte.com

— Foto: André Durão / GloboEsporte.com

 

Em 2013, torcedores do Corinthians mataram um garoto de 14 anos na Bolívia usando um artefato proibido em estádios. O clube, na época, tinha a escolha de sair grande ou nanico do episódio. Sair grande era fazer, na prática, o que o então treinador Tite pregava no discurso, aos prantos. O mais importante era dar conforto à família, assumir a responsabilidade pelo que aconteceu e arcar com todas as consequências, inclusive uma eventual eliminação do torneio.

 

Qual o problema? O Corinthians preferiu abordar o tema “tecnicamente”, dizer que aquilo não era com ele. Tornou-se, merecidamente, o clube mais odiado do continente naquele ano. Todo mundo que não era corintiano vibrou quando acabou eliminado pelo Boca, “roubado” escandalosamente pela arbitragem.

 

O Flamengo tem os dois caminhos em sua mesa também. Sair grande dessa história, com dignidade de bater no peito e assumir esses 56 milhões – um grão de areia para o clube. Ou discutir na Justiça se são 42, 38, 24, enfim, de estipular um valor para a vida dos garotos nos tribunais, com todo o desgaste que isso vai causar às famílias. É sair grande, como Flamengo, ou sair nanico, como nunca esteve em sua gloriosa história. E aí, Flamengo, quanto vale?

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